Ficamos mais próximos do autoritarismo de Moscou-Pequim, do imperialismo sino-soviético; da nossa estagnação econômica; mais próximos da aliança global que mais tem enfraquecido os Estados Democráticos. Escreve Rhuan Fellipe Cardoso da Silva.
23/05/2023 07:36
“Ficamos mais próximos do autoritarismo de Moscou-Pequim, do imperialismo sino-soviético; mais próximos da nossa estagnação econômica”
No Itamaraty, há um grande sentimento de orgulho entre os diplomatas quanto à responsabilidade de seus membros na preservação dos ideais e princípios fundadores da política externa brasileira, inclusive contra os desejos da população e dos congressistas, como se as relações exteriores fossem intocáveis às reivindicações populares. Defende-se aquela bela imagem de que, por meio da valorosa atuação de nossos embaixadores, caberia ao Brasil, na comunidade internacional, o romântico papel de liderar as nações não alinhadas aos blocos hegemônicos (Ocidente e Rússia-China); isto é, como líder do Terceiro Mundo e dos injustiçados, por óbvio, na esperança de que isso de alguma forma trouxesse benefícios mútuos. Ocorre que esse sentimento, muito contaminado pelo elitismo diplomático brasileiro, encontra-se superado e ultrapassado, ainda que resida no ideário de nossos “maiores” líderes. Explicamos.
Numa falsa interpretação da dinâmica geopolítica do século XXI, e, sobretudo, em relação aos caminhos disponíveis ao desenvolvimento nacional nas cadeias internacionais de produção, acabamos “ficando para trás” na fila do progresso mundial. Isso porque, diferentemente do século XX, quando nossa política externa logrou êxito com o pragmatismo ou “não-alinhamento automático” – inaugurado pelo Chanceler Oswaldo Aranha, entre 1939-1945 e no pós-guerra, quando lucrávamos ora aderindo à Washington, ora dialogando com Berlim, Moscou e Pequim, sob a alcunha duma política externa independente –, o século XXI propôs um cenário para o qual os diplomatas brasileiros não estavam (ou pelo menos demonstraram não estar) preparados. E, pior, adveio um cenário que exigiria uma reforma profunda de nossos objetivos e linhas condutoras, que, no conservadorismo (não político liberal) de nossos embaixadores, foi erroneamente suprimido, uma vez mais, sob o desejo de manter “as tradições da diplomacia brasileira”, até mesmo para preservar seus fracassos.
Ainda que o Brasil tenha melhorado seus índices de desenvolvimento humano nos últimos 30 anos, desde a queda do bloco soviético, permanece uma crítica crescente quanto aos setores que foram beneficiados e prejudicados. Refiro-me ao nosso antigo debate entre política econômica voltada à agropecuária (extremamente competitiva a nível mundial, em maior parte exportadora, mas intensificadora de desigualdades sociais e regionais) e à indústria (de baixa competitividade, direcionada ao mercado doméstico ou de países vizinhos industrialmente menos desenvolvidos, mas capaz de proporcionar ganhos de produtividade, economia em escala e repartição de riquezas).
E qual a importância de reacender esse antigo debate político, econômico e moral, em meio à guerra na Ucrânia, tensões em Taiwan e à visita presidencial de Lula e “companheiros” à China? A importância encontra-se, para além da indissociável conexão entre os temas, no temor de que, mais uma vez, estaremos do “lado errado da história”.
Estarei eu errado? Espero que sim, mas basta recordar, pelo menos quanto ao passado recente, a “janela de oportunidade” perdida após o fim da Guerra Fria. Com a manutenção do sentimento anti-norte-americano de nossos diplomatas – rapidamente reforçado pela chegada ao poder do lulopetismo dos anos 2000, e, agora novamente, em 2023 – não é difícil concluir que erramos e continuamos a errar em nosso alinhamento exterior, antes em relação ao mal-sucedido Mercosul (que permanece uma ideia boa, mas, no momento, fracassada), agora em relação a nossa aderência à retórica sino-russa quanto à “construção de uma nova Ordem Mundial”.
Comparemos nosso desenvolvimento com outros países de passado semelhante, como México, Coreia do Sul, Taiwan, Turquia e Polônia, países que resistiram ao imperialismo sino-soviético e posteriormente se alinharam ao “Ocidente Expandido”, inaugurado pela globalização liberal-econômica da década de 90, que também concluiremos pelo regresso nacional na exportação de produtos industrializados, de tecnologia e maior valor agregado.
Deixamos de exportar computadores, carros, aviões e navios para exportar soja, café, petróleo bruto (não refinado) e açúcar, enquanto os citados países inseriram-se nas cadeias de produção ocidentais e desenvolveram-se com a aproximação salutar com Washington, o inimigo declarado da elite acadêmica nacional. Com isso, perdemos a possibilidade de superar a “armadilha da renda-média”, na tentativa de finalmente nos tornarmos desenvolvidos, ao passo que outros países, antes mais pobres, enriqueceram rapidamente em meio à nossa estagnação.
Constado esse fracasso diplomático, qual tem sido a resposta da “nova” gestão Lula e de seu ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira? Reeditar o caminho para o fracasso! Em menos de 100 dias de governo, alinhamo-nos à Rússia e à Ucrânia concomitantemente, numa confusa e incoerentemente posição que em nada se comprometeu em denunciar as violações contra os direitos humanos cometidas. Recusando-nos a prestar qualquer solidariedade ao Estado Taiwanês, na sua resistência liberal heróica contra a agressividade chinesa. E aceitamos a ancoragem da marinha de guerra iraniana em nossos portos, em clara ameaça à paz no continente. Esse é o saldo inicial do retorno do “prestígio brasileiro” no cenário internacional.
Para reforçar esta política econômica desindustrializadora, Lula viajou a Pequim com um grupo de companheiros, amigos dos amigos, formados pela “inovadora” elite econômica dos commodities. Aqueles, lembra? Antes condenados pelas operações anticorrupção, hoje “inocentados” e louvados pelo seu patriotismo empresarial em terem resistido às acusações do Ministério Público. Encontraram-se com o ditador Xi Jinping, amigo do ditador Putin, que é amigo do ditador Maduro, melhor amigo dos ditadores Castro e Noriega, como de tantos outros ditadores.
Foi um “sucesso”, segundo muitos. Lembraram-se velhas amizades e planejaram novos investimentos. Continuaremos a vender soja, café, petróleo bruto (não refinado) e açúcar, por valores cada vez menores, em meio ao aumento da produtividade dos outros parceiros comerciais chineses, enquanto destes adquiriremos mais máquinas, processadores e manufaturas, oferecendo até mesmo, sem qualquer preocupação de segurança nacional, nosso vital setor de telecomunicações à multinacional Huawei, banida em vários países.
Ficamos mais próximos do autoritarismo de Moscou-Pequim, do imperialismo sino-soviético; mais próximos da nossa estagnação econômica (quiçá empobrecimento futuro); mais próximos da aliança global que mais tem enfraquecido os Estados Democráticos de Direito pelo mundo e violado os direitos humanos em guerra e perseguições políticas, religiosas e étnicas. Mais próximos da falência moral, mais distantes de nós mesmos.
Por Rhuan Fellipe Cardoso da Silva, advogado, pós-graduando em Direito Internacional, é porta-voz do movimento Democracia Sem Fronteiras Brasil.