Opinião – O pensamento de Carl Schmitt e o STF como instância “moderadora”

Conhecer a obra e o pensamento de Carl Schmitt nos ajuda a entender o que está acontecendo hoje no Brasil e como os próximos anos poderão ser decisivos – com ou sem soberania judiciária. Escreve José Lorêdo Filho.

23/06/2023 06:20

“O “decisionismo” pretendeu estabelecer uma autoridade política moderadora com o propósito manifesto de se impor politicamente”

Governo estima perdas de R$ 119 bilhões de PIS e Cofins que deixaram de ser recolhidos pelos bancos entre 2009 e 2014.| Foto: Fellipe Sampaio/STF

Ninguém encarna como Carl Schmitt (1888–1985) a figura do intelectual amaldiçoado pelas ideologias. O seu tempo ficou marcado por esse “imponderável” que uns dizem ser a ação da Providência no mundo, outros a prova irrefutável da existência do diabo. Muitos foram os intelectuais que, pela sua colaboração com os regimes fascistas do séc. XX, foram estigmatizados pela opinião pública, em geral publicada – relembrando o velho Churchill, que chegou a intentar uma aliança com Mussolini, pois sabia que o autoritarismo fascista não se comparava à tirania hitlerista.

Houve tempo em que se não poderia conceber o paroxismo a que chegaria o nacional-socialismo, sobretudo no contexto alemão daquele período. Em 1932, Carl Schmitt via a Alemanha acossada pela insolvência liberal e por dois movimentos que se digladiavam nas ruas – o nacional-socialista e o comunista. Schmitt optou por apoiar o partido que ainda não dera provas de destruição. Foi acossado pela indigência dos tempos.

É impressionante a vitalidade desse jusfilófoso. Suas principais teses ainda nos dizem muito. Seus livros estão à disposição em qualquer parte do mundo. Mesmo o Brasil parece estar atento à sua importância, com diversas edições publicadas. O ano passado marcou o centenário de um livrodo mestre alemão Teologia Política: quatro capítulos sobre a doutrina da soberania.Livro estupendo.Um dos mais eminentes acadêmicos europeus – Alexandre Franco de Sá, da Universidade de Coimbra – preparou modelar tradução da Teologia Política, a sair em breve. Uma exposição de seus postulados pode explicaro que se vem passando no Brasil, em que o STF parece se consolidar como instância “moderadora” das instituições.

“Soberano é quem decide sobre o estado de exceção” – assim inicia Schmitt o seu livro de 1922, logo enunciando a premissa de sua teoria do “decisionismo” político e jurídico. A União Soviética, com a sua violência inaudita, representava então a grande ameaça ao chamado “mundo livre”. Em face disso, o Ocidente ensaiava algumas reações autoritárias para conter o perigo comunista, em especial com a ascensão de Mussolini ao poder na Itália, naquele mesmo ano. O “decisionismo” foi a teoria que conformou tal a reação.

Constatada a absoluta politização da vida social, tomado o Estado por grupos ideológicos os mais diversos, teorizou Carl Schmitt a necessidade de uma autoridade capaz de evitar o desmembramento estatal e a destruição da comunidade política. Contrariamente a uma concepção normativista do direito – com o que se fez adversário intelectual de Kelsen –, pareceu-lhe que somente uma “decisão” soberana apartada das normas jurídicas poderia ser o garante das instituições, de modo a se oferecer um obstáculo aos grupos ideológicos.

O “decisionismo” pretendeu estabelecer uma autoridade política moderadora com o propósito manifesto de se impor politicamente, situando-se acima do ordenamento jurídico – daí a correlação com a excepcionalidade institucional, cuja regulação compete ao soberano. Em linhas gerais, eis a tese do “decisionismo” de Carl Schmitt – que tanta influência ainda exerce em alguns luminares, supostos ou reais, no Brasil.

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Alexandre Franco de Sá se fez autoridade no estudo do pensamento de Carl Schmitt, como os livros Catolicismo romano e forma política e O conceito do político, e sobre o qual dedicou as coletâneas Metamorfose do poder e Poder, direito e ordem. Recentemente, partindo de premissas schmittianas, publicou Ideias sem centro — esquerda e direita no populismo contemporâneo.

E, entre nós, um talento parece manter a excelência do debate intelectual em torno do jusfilósofo alemão – Alexandre Marques publicou ano passado o imperdível A religião de Carl Schmitt, com o que procurou rastrear um fundamento cristão na obra de Schmitt. Conhecer a obra e o pensamento de Carl Schmitt nos ajuda a entender o que está acontecendo hoje no Brasil e como os próximos anos poderão ser decisivos – com ou sem soberania judiciária.

 

 

 

 

Por José Lorêdo Filho é editor da Livraria Resistência Cultural Editora.

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