Todos saberão o seu lugar, saberão como se comportar, o que poderão dizer, o que não poderão dizer. Será o mundo da maioria submissa, das liberdades estraçalhadas. Escreve Luís Ernesto Lacombe.
03/07/2023 06:29
“O debate foi banido, as perguntas e críticas sobre o sistema eleitoral foram proibidas. E é melhor que todos aceitem isso”
Nada é tão bom que não possa ser melhorado… Exceto o sistema eleitoral brasileiro, que atingiu o máximo grau de segurança e confiabilidade, e assim será para sempre. Lula concorda. Ele já não anda por aí, como em 2002, dizendo que “nada é infalível, só Deus”. O sistema eleitoral brasileiro também não falha, nunca. Ministros atuais de Lula concordam. Simone Tebet, do Planejamento, já não quer saber, como em 2015, se “o voto depositado na urna, depois de processado, se concretiza”. Carlos Lupi, da Previdência Social (e do PDT, que entrou com ação contra Bolsonaro no TSE), não defende mais a “auditagem do voto eletrônico, a possibilidade de haver recontagem”.
Era uma turma enorme, de vários partidos, de vários espectros políticos, que defendia o voto impresso auditável, de preferência com o escrutínio público dos votos. Ciro Gomes, João Amoêdo, Roberto Requião, Carlos Sampaio… Ao que parece, mudaram de ideia. Não porque não vejam mais motivo para um debate sobre a nossa urna eletrônica. Simplesmente porque o debate foi banido, as perguntas e críticas sobre o sistema foram proibidas. E é melhor que todos aceitem isso. A reação furiosa aos desobedientes pode envolver perda de mandato, inelegibilidade, censura, censura prévia, perda de contas em redes sociais, bloqueio de contas bancárias, suspensão de passaporte e, agora, até perda de concessão de veículo de comunicação.
Em 2009, o então presidente do TSE, ministro Ayres Britto, registrava que as urnas estavam prontas para gerar o voto impresso, bastando a anexação de impressora. Em 2018, já com Luiz Fux na presidência, o TSE licitou a compra das impressoras. O vencedor foi escolhido, mas veio a ADI 5.889. A ação contra a impressão do registro de cada voto para conferência do eleitor foi apresentada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a maioria dos ministros do STF a julgou procedente. Mesmo que Gilmar Mendes tenha dito à época que “as vulnerabilidades do sistema são conhecidas da Justiça Eleitoral”, ficou definido que não há o que melhorar no que já é perfeito.
Nossos ministros supremos querem que todos acreditem que há mais de 25 anos o Poder Legislativo faz movimentos desnecessários, para tentar mudar o que não precisa ser mudado. E claro que eles não se perguntam por que um país como a Alemanha rejeitou o modelo de urna idêntico ao brasileiro, puramente virtual, sem registro físico do voto… Os outros países deveriam também acreditar numa Justiça Eleitoral exatamente como a nossa, com poderes para normatizar, executar e julgar a votação e a apuração. Todas as funções numa só instituição pública, que julga a si mesma, que inventa uma auditoria em que o auditado é quem se audita.
É assim a nova democracia, ela impõe uma opinião, elimina críticas, questionamentos, acaba com o debate, a busca pela verdade. Não haverá mais adversários, todos pensarão exatamente da mesma forma, do mesmo jeito. Todos saberão o seu lugar, saberão como se comportar, o que poderão dizer, o que não poderão dizer. Será o mundo da maioria submissa, das liberdades estraçalhadas. Todos serão tutelados. A nova democracia exige fé cega em seres iluminados. E está resolvida a questão.
Por Luís Ernesto Lacombe é jornalista e escritor. Por três anos, ficou perdido em faculdades como Estatística, Informática e Psicologia, e em cursos de extensão em administração e marketing. Não estava feliz. Resolveu dar uma guinada na vida e estudar jornalismo. Trabalha desde 1988 em TV, onde cobriu de guerras e eleições a desfiles de escola de samba e competições esportivas. Passou pela Band, Manchete, Globo, Globo News, Sport TV e atualmente está na Rede TV.