A questão ambiental é essencial para uma política externa brasileira no século XXI. Escreve Filipe Figueiredo.
09/08/2023 07:39
“Nada disso deve implicar em abrir mão de um recurso natural por apenas um capricho”
Nesta terça-feira (8) começa a Cúpula da Amazônia, em Belém, no Pará, reunindo os presidentes dos Estados que são parte do Tratado de Cooperação Amazônica.
Além dos chefes de Estado regionais, participam representantes de países e organizações convidadas. Durante dois dias, a cúpula vai definir alguns temas essenciais para o futuro da região e do Brasil. Um dos assuntos discutidos coloca Brasil e Colômbia em posições antagônicas.
Dentre os temas em debate estão a preservação do bioma amazônico, a eventual criação de um órgão consultivo regional, possivelmente batizado de Parlamento Amazônico, o combate ao crime transnacional, o incentivo da economia da “floresta em pé”, o combate às queimadas e poluição, a proteção e catalogação da biodiversidade, a melhoria da comunicação com populações indígenas e o combate aos crimes ambientais.
Um desses crimes é a contaminação de águas por mercúrio como parte das atividades de garimpo, muitas vezes eufemisticamente chamadas de “mineração artesanal”.
O garimpo, além de muito mais prejudicial do que a mineração organizada, não gera impostos e, na prática, rouba a riqueza brasileira, com a maior parte do ouro sendo desviado para o mercado internacional. Contudo, apesar de todas as pautas estarem inseridas na reunião, a cúpula vai debater, principalmente, o combate ao desmatamento.
É esperada a definição de uma meta regional para a redução do desmatamento na Amazônia. Ela é importante para evitar um desequilíbrio injusto entre os países.
Não basta que um faça esforços nesse sentido, enquanto outros continuem políticas predatórias do meio ambiente. Nesse sentido, uma meta regional serve para concentrar esforços conjuntos para a COP 28 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que acontece neste ano.
Presenças extrarregionais
O presidente da COP 28, Sultan Ahmed al-Jaber, inclusive, estará em Belém. A cúpula do clima será realizada em dezembro nos Emirados Árabes Unidos.
Em uma mensagem clara, o governo dos EAU escolheu Sultan, o chefe da companhia de petróleo nacional, como chefe da cúpula. E, caso algum leitor se pergunte: Sultan é, de fato, seu nome? A resposta é não. A grafia se refere ao título de sultão em inglês.
Estarão em Belém, além de Lula, os presidentes da Bolívia, Colômbia, Guiana, Peru, dentre outros países signatários que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
A Venezuela será representada pela vice-presidente Delcy Rodríguez após o ditador Nicolás Maduro cancelar sua participação por problemas de saúde. Outros países que também enviaram representantes foram Equador e Suriname, devido a questões políticas internas.
Também estarão presentes os presidentes da República Democrática do Congo e da República do Congo, da Indonésia e de São Vicente e Granadinas, pela presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), além de Alemanha, Noruega e França, países que contribuem para projetos regionais, como o Fundo Amazônia.
A presença dos dois presidentes de países da bacia do Congo e do presidente indonésio se dá pela crescente aproximação entre esses países e o Brasil no tema ambiental. Tratam-se dos países com as maiores reservas de florestas tropicais do mundo, com interesses comuns.
Essa aproximação começou ainda no governo Bolsonaro, na COP 27, que aconteceu no Egito. As críticas sofridas pelo Brasil durante o governo anterior motivam parte das ações do atual governo Lula, que deseja, sempre que possível, marcar a distinção e uma clivagem com seu antecessor.
Por isso a realização de uma cúpula virtualmente inédita, cuja antecessora ocorreu apenas na década de 1970 e em escala muito menor.
Política brasileira
Outro fator da política doméstica brasileira na atual cúpula é a escolha por Belém, capital do estado do Pará.
O vizinho Amazonas, com capital em Manaus, é governado por Wilson Lima, aliado de Bolsonaro, enquanto o Pará é governado por Helder Barbalho.
A família Barbalho é notória integrante do “Centrão”, pelo MDB, e o patriarca, Jader, apoiou praticamente todos os governos da Nova República. Atualmente, são aliados de Lula.
A COP 30, em 2025, será realizada em Belém, inclusive com a atual cúpula servindo também de “evento teste”, assim como o evento dos Diálogos Amazônicos. A pauta ambiental, desde a campanha eleitoral, é parte importante do governo Lula, ao menos em discurso.
Realizar a cúpula em Belém, então, serve ao governo Lula como marcador político doméstico e reforça a liderança do Brasil na geopolítica amazônica.
Mesmo outros setores da política brasileira começaram a notar a importância do papel brasileiro nesse tema, com grandes potenciais. Por exemplo, em entrevista recente, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que passa longe de ser uma figura de esquerda, disse que “nós estamos inseridos em uma economia na qual é preciso mostrar que você tem responsabilidade ambiental. Só assim vai ganhar mercado.”.
A importância da pauta ambiental para o governo Lula e a importância da Amazônia rendem extensas discussões e possibilidades.
Uma das discussões é o quanto essa importância é concreta e o quanto seria mero discurso eleitoral. Ou melhor, quais seriam os limites da importância concreta e material.
Um debate recente causou discórdia dentro do governo, envolvendo a exploração de petróleo na bacia do rio Amazonas.
Em maio, a Petrobrás e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, estiveram em lado oposto do debate, com o Ibama e a ministra do Meio-Ambiente, Marina Silva, criticando a possível exploração de petróleo na voz do rio.
A discórdia promete não ficar restrita ao governo brasileiro e potencialmente vai envolver os demais países da Amazônia, especialmente a Colômbia.
A ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, afirmou no último domingo, durante os Diálogos Amazônicos, que o governo de Gustavo Petro quer o fim “amplo e progressivo” da exploração de petróleo na região. Além da emissão de gases do efeito estufa, ela citou como problemas o desmatamento para abertura de estradas e dutos, a perda de diversidade e conflitos com comunidades locais.
É importante lembrar que existe a floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo, a bacia do Amazonas, a maior bacia de água doce do mundo, e a bacia sedimentar da Amazônia, com um solo riquíssimo em recursos naturais. São três coisas separadas, que cobrem fenômenos diferentes.
Outro motivo de fazermos a distinção é para deixar claro que os dados a seguir não são exatamente transferíveis.
Cerca de 58% da floresta Amazônica está dentro das fronteiras do Brasil. Outros oito países possuem parte da floresta: Peru com 13%, Bolívia com 7%, Colômbia com 7%, Venezuela com 6%, Guiana com 3%, Suriname com 2,5%, Guiana Francesa com 1,4% e Equador com 1%, todos os números aproximados.
Novamente, esses números tratam da floresta, os números sobre as bacias podem ser semelhantes, mas não exatos.
Patamares diferentes
O ponto de destacar tais dados é apontar para a enorme discrepância entre os números de Brasil e Colômbia. Uma coisa é adotar políticas comuns, outra é um país com 7% da região desejar que todos abram mão da exploração de um recurso natural, o que seria uma gigantesca concessão pelo país detentor de mais da metade. Brasil e Colômbia não estão no mesmo patamar na Amazônia.
Brasil e Colômbia também não estão no mesmo patamar na produção mundial de petróleo.
Para o Brasil eventualmente abolir a exploração de petróleo, seja na Amazônia, seja onde for, seu nível de negociação é com os principais produtores.
Uma semana atrás, por exemplo, o Reino Unido autorizou a perfuração de centenas de novos poços de gás natural no Mar do Norte. São esses países o parâmetro do Brasil.
A Colômbia é um importante vizinho, com diversos elementos históricos e políticos contemporâneos em comum. A Amazônia, por sua vez, é um patrimônio importantíssimo para os países da região.
Finalmente, a questão ambiental é essencial para uma política externa brasileira no século XXI. Nada disso, entretanto, deve implicar em abrir mão de um recurso natural por apenas um capricho.
Por Filipe Figueiredo é graduado em história pela USP, professor de política internacional, roteirista do canal Nerdologia e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história.