Sugere o escritor Paulo Polzonoff.
14/08/2023 09:30
Brasil, alexandre-o ou deixe-o
E a primeira opção é hoje tão prazerosa
Quanto tomar um soco no queixo.
– Anônimo Pero No Mucho
Começou com um amigo que nos trouxe uma revelação importante: Albert Einstein, em sua primeira visita ao Brasil, não gostou do país. Comentei que essa informação deve estar no livro “Contra o Brasil”, de Diogo Mainardi. Darwin também não gostou. Camus, idem. Bioy Casares achou meh. Já o ladrão Ronald Biggs gostou bastante. Por que será? Carpeaux começou detestando e terminou gostando, enquanto Stefan Zweig preferiu o suicídio. Bernanos foi outro que adorou o Brasil, mas achou melhor ir embora daqui.
Aí decidi sair perguntando aos amigos se eles gostam do Brasil. Vocês gostam? Amam, talvez? E, se gostam, do que gostam? Se amam, o que amam? As respostas que recebi (e as que espero receber na caixa de comentários) foram as mais interessantes do mundo – ou ao menos do Brasil – e por isso as compartilho com vocês. Mas tudo protegido pelo semianonimato dos prenomes. A começar pelo Felipe, que disse que gosta do Brasil. Mas…
Brasileiro praticante
“Mas aprendi a gostar com o hábito, mais ou menos como foi com o café e a cerveja. Se bem que cafés e cervejas há vários, bons e ruins; o Brasil é um só, e é esse”. E, sim, tenho amigos que sabem usar ponto-e-vírgula e o usam em conversas virtuais. (Sei que ponto e vírgula não tem hífen. Mas o hífen é meu e eu o ponho onde eu quiser!). O mesmo Felipe acrescentou que “mesmo gostando, jamais perderei o costume de falar mal do Brasil. Isso é necessário para a minha saúde”. Tá errado?
O César foi mais… irônico? cínico? “Eu amo o Brasil. Ainda que me sinta meio estrangeiro aqui, pois não sou um brasileiro praticante”, disse. Já o Rodrigo deu a resposta que mais se aproxima do meu sentimento em relação a essa abstração chamada Brasil. “Gosto de umas árvores bonitas na minha rua. E meio que já está bom”.
Alexandre-o ou deixe-o
O Tiago deu uma resposta tão boa que até merece um parágrafo só para si: “Engraçado. Sempre amei o Brasil, daquele jeito que amamos o primo ou o tio chato, ou o irmão cheio de problemas mas para quem você daria um rim se ele precisasse”. E continuou: “É o amor que permite críticas e desafeto. Mas que no meio disso tem lampejos de graça e alegria”. Queria dizer que nessa hora começou a tocar um samba, mas estaria mentindo.
Aí apareceram dois poetas. O primeiro com a trovinha que serve de epígrafe para este texto. O outro, que vou chamar de Zé, escreveu todo um poema que não posso reproduzir aqui para não identificá-lo. E também para não ter que pagar os royalties abusivos que os poetas cobram atualmente. A isso se segue um silêncio (todo mundo lendo o poema, suponho). Até que… quem vem lá?! Me diga se não é o Diogo novamente! E aí, Diogo? Você gosta do Brasil?
“O negócio do Brasil é que ele tem um elemento de desordem muito forte. Quando tudo funciona, essa desordem vira malandragem, sacanagem e som alto; quando não funciona, a desordem vira caos, violência… e som alto. Para gostar mesmo do Brasil, a alma do sujeito tem que vibrar no mesmo comprimento de onda da desordem. Se você tolerar a desordem, ainda dá. Agora, se a desordem é insuportável, e você vai dormir e acorda lutando contra ela, aí tem que ir embora. Para mim, o que prova a verdade dessa teoria são os gringos que adotam o Brasil. Geralmente são almas em busca de uma desordenzinha, gente oprimida pela ordem”. Uau.
Frente Sol da Pátria (aviso de polêmica!)
Uau de novo. Ser amigo do Diogo é mesmo um privilégio! Em seguida, veio o Alê dizer que “queria gostar do Brasil, mas não é natural pra mim. Tem que ser meio forçado. Natural para mim é gostar dos países dos livros que leio e dos filmes que vejo. Mas tem partes do Brasil que gosto. Carmem Miranda. Monteiro Lobato. Machado de Assis. Mas é meio que isso”.
Orlando resolveu aparecer no bate-papo para dizer que aprendeu a viver no Brasil “como um estrangeiro, pegando as malandragens. Mas, agora, velhote, não sei se conseguiria viver em outro lugar”. E aí o Alê resolveu bancar o excelente polemista que é. “Mas eu vejo aquele pessoal do Frente Sol da Pátria tendo que fingir entusiasmo até por boi-bumbá e escola de samba e tenho pena do esforço mal aplicado”. Risadas.
“Tem isso também. Um dos melhores jeitos de gostar do Brasil sempre foi fazer um destilado do melhor da terra (que varia de pessoa pra pessoa, mas que, se não inclui Machado de Assis, está errado). O pessoal da Frente Sol da Pátria tenta transformar isso num projeto político. Acho bonito e simpatizo. O legal dessa abordagem é que, na medida das possibilidades, quem escolhe viver assim acaba, mesmo que minimamente, fazendo parte da matéria-prima do destilado. Ou costumava ser assim. Nos últimos tempos (pode ser a idade, mas acho que não), a desordem tem ficado cada vez mais forte e tem sido mais difícil produzir o tal do destilado”, disse o Diogo. Blended, suponho. E uau mais uma vez.
Geleia e música new wave
No que foi prontamente “confrontado” com um aforismo do César: “Amar o Brasil é como torcer pelo Vasco e como querer ser santo. É ter uma vida de frustrações enormes”. Fez-se silêncio e depois dessa definição tão categórica a prosa pegou um rumo inesperado. Falou-se da invasão holandesa, da série “Brasil, a Última Cruzada”, da Brasil Paralelo, da hispanibilidade brasileira e da Galícia. Sim, da Galícia. “A água mais fria em que eu já entrei para surfar”, disse um deles, acho que o Rodrigo.
Até que chegou o Carlos. O Carlos é o mais zoeiro num grupo de zoeiros. Acompanhe comigo no replay: “Gosto do Brasil. Mas também gosto de geleia de mocotó e música new wave. Gostar não é o meu forte”, disse. Para receber a réplica espirituosa de um Rodrigo inspirado: “Entre desistir para sempre do Brasil ou de geleia de mocotó e música new wave, eu não teria muita dúvida, não”.
A conversa estava boa, mas uma hora tinha de acabar. E, se vocês repararem bem, notarão que até aqui eu não disse se gostava ou não do Brasil. É porque não sei mesmo. Mas e você, Daniele, gosta? “Gosto do Brasil porque sinto que é a este povo e a este solo que pertenço. É aqui que me sinto em casa”, disse ela, sambando ao som de Chico Buarque, só para me provocar. E, me pegando no meu ponto fraco, emendou: “Gosto do Brasil pelo mesmo motivo que você gosta do Madalosso. Não é racional”.
Ou seja, continuo sem saber se gosto, não gosto ou por quê.
Por Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor.