Sem posicionamento político, o que parece é que querem prender Bolsonaro de qualquer jeito, nem que para isso destruam tudo o que está em volta. Escreve Ney Lopes.
16/08/2023 06:10
“Lula e Dilma tiveram permissão, sem alardes, para devolução dos presentes”
Na condição de advogado, jornalista e cidadão revolta-me qualquer sinal de injustiça.
Sigo a recomendação do jurista Eduardo Juan Couture, que disse: “Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.
Para mim, a busca da justiça não tem coloração política de ser Lula, Bolsonaro, esquerda ou direita.
Como cidadão, sofri no início da vida pública a punhalada do arbítrio, através do famigerado AI-5.
O poder autoritário da época atendeu ao complô armado para me retirar da política, simplesmente por ter sido eleito sem pertencer as oligarquias dominantes no RN.
Perdi, sem direito de defesa, um mandato de deputado federal.
A crueldade foi tamanha, que por mais que desejassem instaurar um processo judicial contra mim, não encontraram nenhuma prova ou indicio de culpabilidade.
Posso dizer, que nunca respondi uma ação judicial, mas fui afastado dos empregos de procurador federal e professor universitário, que chegara por concurso.
Ficou difícil prover a subsistência da família.
Por ter sentido a dor do arbítrio, recordo que, embora nunca tenha sido aliado do PT, protestei á época, em artigos jornalísticos, contra os abusos do então Juiz Sérgio Moro, que numa excessiva aproximação entre a magistratura e a acusação, pediu aos promotores que incluíssem provas no processo para ele acelerar a condenação de acusados na Lava Jato (leia-se condenar o ex-presidente Lula).
Hoje, considero esse episódio das “joias” uma verdadeira via crucis, que estão submetendo o ex-presidente Bolsonaro e alguns aliados.
Não se trata de defesa, mas busca da justiça, analisando as acusações divulgadas pela mídia.
A impressão é de um caso típico de interpretações subjetivas do direito, em conflito com a justiça.
Não consta o envolvimento de dinheiro público desviado.
Apenas presentes recebidos.
As acusações têm sempre as expressões “teria”, “talvez”, poderia”, ou seja, meras hipóteses.
Em resumo: tudo seria a “suposição” de um esquema próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro, entre eles militares, suspeito de participar da venda ilegal de presentes recebidos pelo ex-presidente, durante compromissos oficiais.
A ilegalidade seria os presentes pertencerem ao acervo da União, o que não está claro nas regras jurídicas vigentes no país.
O dinheiro obtido com a venda, diz a PF, “seria” destinado a Bolsonaro.
Vejamos alguns aspectos jurídicos, a serem ponderados.
As normas sobre presentes oferecidos aos presidentes mudaram diversas vezes, desde a redemocratização.
A alteração mais recente é de 2016, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que bens recebidos de chefes de Estado pelo presidente durante o exercício do mandato pertencem à União.
Há, contudo, duas exceções: quando o presente é de “natureza personalíssima” e quando é de “consumo imediato”.
A avaliação sobre o enquadramento ou não de um item como “personalíssimo” é inteiramente subjetiva, uma vez que permite diferentes interpretações.
Observe-se, por fundamental, que o TCU é um órgão técnico de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, com competência funcional claramente estabelecida no artigo 71 da Constituição Federal.
Portanto, a decisão administrativa prolatada em 2016 não tem eficácia de lei.
A lei 8.394/91 e o decreto 4.344/02 regulamentam o recebimento de presentes oficiais, abrangendo apenas os objetos recebidos em cerimônias oficiais.
A Corte de Contas, não tendo função jurisdicional, não pode ampliar o enunciado na lei.
Ocorrendo essa ampliação da norma, verifica-se afronta às funções do Legislativo, responsável pela produção das normas jurídicas e também ao STF que tem competência exclusiva no caso.
Sempre prevaleceu a regra de que presentes que foram oferecidos por cidadãos, empresas ou entidades, costumam permanecer, com o presidente, após o fim de seu mandato.
Na agenda de viagem do ex-presidente Bolsonaro constavam encontros com vários segmentos sociais dos países visitados, inclusive reuniões sociais com autoridades locais, que não se assemelham a cerimônias oficiais. Precisa ser esclarecido esse aspecto.
Em razão do entendimento legal, todos os presidentes acabavam incorporando em seus acervos privados bens que não teriam sido entregues por governos estrangeiros em cerimônias oficiais.
A revista Veja publicou no dia 11 de março de 2016, que a PF encontrou uma sala-cofre em uma agência do BB, em SP, que guardava bens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O acervo estava guardado em 23 caixas lacradas desde janeiro de 2011 – mês em que o petista deixou a Presidência.
No total, eram 133 itens, incluindo joias e obras de arte que o ex-presidente recebeu de outros governantes enquanto estava no cargo.
A presidente Dilma somou 117 presentes recebidos por Dilma, dos quais continuam desaparecidos, segundo a imprensa.
Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva devolveram presentes ao patrimônio comum da Presidência depois de já terem deixado o mandato, porém não na totalidade.
Consta que a defesa do ex-presidente Bolsonaro colocou espontaneamente a sua movimentação bancária à disposição das autoridades e que ele “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos”.
Mesmo assim, foi pedido a quebra do sigilo bancário de Bolsonaro e da esposa Michelle.
A ex-primeira dama, até o momento foi “apenas” mencionada em troca de mensagens de auxiliares de Bolsonaro como suposta responsável pelo sumiço de um dos presentes recebidos.
Percebe-se claramente que os fatos expostos podem até serem investigados, todavia não se justifica o estardalhaço midiático que aponta os acusados como praticantes de peculato, corrupção e descaminho.
O peculato (artigo 312 do Código Penal) só é tipificado na apropriação de bem tido em razão de cargo público.
As joias colocadas à venda foram presentes de terceiros, isso não há dúvida.
Logo não houve apropriação ou desvio, inclusive porque o ex-presidente “voluntariamente” pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) em março deste ano a entrega de joias recebidas “até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito.
A corrupção se caracteriza pedir ou receber vantagem indevida ((artigo 317).
Pelo que se conhece da investigação, não há o menor indício de tenha ocorrido pedido ou recebimento de vantagem indevida.
O descaminho é o contrabando. No caso analisado, auxiliares do presidente e até ministro foram à Receita dialogar sobre as formas de liberação dos presentes. Tudo abertamente, noticiado pelos jornais.
Lula e Dilma tiveram permissão, sem alardes, para devolução dos presentes.
Por que a idêntica orientação não é dada a Bolsonaro, mesmo na atual fase das investigações, já que não há ainda procedimento judicial instaurado?
Sem meias palavras e sem posicionamento político, o que parece é que querem prender Bolsonaro de qualquer jeito, nem que para isso destruam tudo o que está em volta.
Se esse prognóstico for verdadeiro é repetir o jurista Juan Couture: “com o direito em conflito (interpretações subjetivas) só resta lutar pela justiça”.
Por Ney Lopes, jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – [email protected] – blogdoneylopes.com.br