Opinião – Estado, o monstro frio

O caminho para a nação não mergulhar no caos é a criação de mecanismos destinados a regular, limitar e controlar o aparelho estatal e seus tripulantes. Escreve José Pio Martins.

25/08/2023 07:49

“Os políticos e os altos burocratas poderão reformar as leis e os limites do governo, desde que “nós, o povo”, pelo voto e pela opinião ordeira, os levemos a fazê-lo”

O presidente norte-americano Ronald Reagan durante visita à Espanha, em 1985. Foto: EFE

Para falar do Estado e seu braço executivo, o governo, começo me socorrendo de Thomas Paine (1737-1809), que, em sua obra Senso Comum, alerta para a confusão que fazemos entre sociedade e governo, a ponto de vermos pouca distinção entre eles. Segundo Paine, as duas instituições são não apenas diferentes, mas também nascem de origens diferentes. “A sociedade é produzida por nossas necessidades, e o governo por nossas fraquezas; a primeira promove nossa felicidade de modo positivo, unindo nossas afeições, enquanto o segundo promove nossa felicidade de modo negativo, restringindo nossos vícios. A sociedade encoraja a união, e o governo cria distinções. A primeira é uma protetora, e o segundo um punidor”, escreveu o grande pensador.

O Estado e as complexas estruturas de poder são criados pela sociedade principalmente para se defender contra ameaças e fontes de sofrimento que escapam à capacidade individual para sua solução. Essas ameaças vêm de agressões externas, violência social, catástrofes naturais, epidemias, colapsos de abastecimento e outras. O benefício da solução coletiva convence os indivíduos a aceitarem renunciar a parcelas de sua liberdade para se submeterem a esse poder instituído sobre eles.

Os problemas e as desilusões começam quando saímos da menoridade mental e percebemos, chocados, que o Estado e o governo não são habitados por anjos nem comandados por santos. Pelo contrário, a tripulação que comanda a máquina estatal é composta por seres humanos, com toda sorte de interesses, alguns genuínos e outros mesquinhos, e todo tipo de condutas, algumas nobres e outras miseráveis.

Considerando que Deus não povoou a Terra com anjos, o caminho para a nação não mergulhar no caos é a criação de mecanismos destinados a regular, limitar e controlar o aparelho estatal e seus tripulantes, especialmente para impedir que estes, embora nomeados para gerar segurança e proteção, tornem-se fonte de ameaças às liberdades e aos direitos individuais e, por vezes, verdadeiros saqueadores do dinheiro do povo.

Em boa parte do mundo, o Estado vem se agigantando, submetendo e sufocando os indivíduos, reduzindo as liberdades e aumentando a opressão, inclusive contra o direito de opinião. O Estado, em sua configuração geral, dispondo de poderes legislativos, executivos e judiciários, é um animal perigoso que, se deixado livre e sem controle, avança cada vez mais sobre a sociedade e, quanto mais ele cresce, menor fica a liberdade legítima, aquela exercida sob a lei, a ordem e o respeito aos direitos iguais de nossos semelhantes. Faço lembrar as palavras de Ronald Reagan a respeito:

“Nossa revolução foi a primeira na história da humanidade que realmente mudou o rumo do governo, e com três pequenas palavras: We the people (‘Nós, o povo’). Somos nós, o povo, que dizemos ao governo o que fazer e não o contrário. Nós, o povo, somos o motorista e o governo é o carro, e somos nós que decidimos para onde ele deve ir, por qual rota e em que velocidade.

Quase todas as constituições do mundo são documentos nos quais o Estado diz a seus cidadãos quais são seus privilégios. Nossa Constituição é um documento pelo qual, nós, o povo, dizemos ao governo aquilo que lhe é permitido fazer. Nós, o povo, somos livres. Este princípio tem sido o fundamento de tudo o que procurei fazer nos últimos oito anos, mas lá nos anos 60, quando comecei, parecia que começávamos a inverter a ordem das coisas. Que por meio de mais e mais regras, regulamentações e tributação predatória, o governo confiscava mais de nosso dinheiro, mais de nossas opções e mais de nossa liberdade.

Entrei na política, em parte, para poder levantar a minha mão e dizer: ‘pare!’ Penso que conseguimos parar muito do que precisava ser detido. E espero ter, uma vez mais, recordado às pessoas que o homem não é livre a não ser que o governo seja limitado; à medida que o governo aumenta a liberdade diminui.”

Essas palavras foram pronunciadas por Reagan ao fim de seus dois mandatos, e alertavam que nem mesmo os Estados Unidos, berço da liberdade, estavam livres de ameaças ditatoriais. No governo, em todas as instituições e todos os lugares, há pessoas boas e pessoas más; há honestos e há corruptos; há liberais e há ditadores. “O Estado é o mais frio dos monstros frios”, dizia Nietzsche, e precisa ser regulado e fiscalizado.

Mas não esperemos que os políticos e as altas autoridades do mundo venham a reformar o Estado e as instituições por sua própria vontade, pois eles teriam de atacar seus próprios interesses e limitar seus próprios poderes. Nisso, lembro o economista Vilfredo Pareto (1848-1923): “É inútil atribuir a quem destruiu uma máquina a tarefa de reconstruí-la”. Os políticos e os altos burocratas (nos três poderes) poderão reformar as leis e os limites do governo, desde que “nós, o povo”, pelo voto e pela opinião ordeira, os levemos a fazê-lo.

 

 

 

 

 

Por José Pio Martins é economista e professor de Macroeconomia, Microeconomia, Finanças Empresariais e Filosofia, em cursos de graduação e pós-graduação.

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