Não se conformam que o agro brasileiro é uma prova física de que a solução para a atividade rural está na aplicação do capitalismo, e não da “reforma agrária”. Escreve J.R. Guzzo.
13/11/2023 09:30
“O último Enem (…) exigiu que os candidatos respondessem que o agro é uma atividade nociva ao Brasil”
O sistema de produção rural do Brasil, o chamado agronegócio, é a maior, melhor e mais relevante conquista da economia brasileira em nossa era. O agro transformou o Brasil, que até 50 anos era uma nulidade incapaz de produzir mais do que café, num dos dois ou três maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo.
O país, que tinha de importar comida, hoje produz cinco vezes mais do que consome; tornou-se um fator essencial para a segurança alimentar da humanidade, a ponto de não haver mais nenhum cálculo sério sobre o futuro mundial que não inclua o Brasil. Neste ano vai ser colhida a maior safra da história, mais do que o volume recorde de 2.022. O efeito é decisivo para a economia brasileira como um todo.
No ano passado o agro exportou 160 bilhões de dólares – e isso continuou a garantir o saldo na balança comercial. É o que fornece ao Brasil os dólares necessários para comprar tudo o que precisa no exterior, e ainda ficar com dinheiro de sobra; por conta da agropecuária o Brasil está com reservas de 350 bilhões de dólares em moeda forte.
É por isso que o Brasil, há anos, não tem mais “crise cambial” e a economia não entra em parafuso por falta de dólar. É por isso que não se vê mais por aqui as “missões do FMI”, dando instruções ao governo como condição para emprestar dinheiro. Não se fala mais em “empréstimo-ponte”, e o Brasil deixou de ser um país-mendigo que fica passando o pires no mercado financeiro internacional.
O progresso do agro trouxe os milhões de hectares da região centro-oeste para dentro da economia brasileira; o Mato Grosso, sozinho, produz hoje mais soja do que a Argentina toda. Um novo mercado foi criado pelo agro no interior do Brasil. São bilhões de reais consumidos com produtos e com serviços fornecidos pelo restante da economia brasileira.
Tão importante quando isso tudo é o fato de que a produção rural do Brasil cresce porque decidiu, definitivamente, andar junto com o avanço da tecnologia. É o que faz a diferença, hoje, para criar uma economia capaz de competir nos mercados globais, aumentar a sua eficiência e crescer em bases sustentáveis. As exportações do agro em 2023 valem mais que toda a produção de petróleo da Arábia – com a vantagem de que as safras são renováveis a cada ano.
Tudo isso são fatos objetivos; não é uma interpretação, e nem depende daquilo que o cidadão acha ou não acha. Mas o último Enem, o exame escolar mais importante antes do ingresso na universidade, exigiu que os candidatos respondessem que o agro é uma atividade nociva ao Brasil, nas perguntas feitas sobre o tema. Ou era isso, ou a resposta estava errada – assim como era obrigatório responder que o capitalismo é uma doença social gravíssima etc. etc. etc.
Não afeta em rigorosamente nada, é claro, nem o agronegócio e nem o capitalismo. É apenas uma prova a mais da recusa dos mandarins da educação brasileira em aceitar realidades; só acreditam nas suas próprias ideias, ou ilusões. Não têm nenhum interesse em determinar se algo é falso ou verdadeiro. A única coisa que pensam é em ter razão.
No caso, os autores do Enem não se conformam com o fato de que o agro brasileiro é uma prova física de que a solução para a atividade rural está na aplicação do capitalismo, e não da “reforma agrária”. Sua maneira de lidar com isso é se aproveitarem dos recursos da máquina pública para defender seus interesses ideológicos particulares.
O desastre, uma vez constatado, só piorou. O responsável pelo exame, nas explicações que foi chamado a dar, sustentou uma ideia realmente prodigiosa. Segundo ele, os organizadores do exame “não são contra o agro”. Sério? Por que raios, então, obrigaram os alunos a escreverem que o agro é um horror? Falou também de “editais”, para dizer que as perguntas foram escolhidas de forma imparcial. E daí? Alguém acredita que uma licitação pública é garantia de honestidade neste país? É frequentemente o contrário, como está provado nas condenações da Lava Jato. Mas a intolerância faz isso mesmo. A posição contrária não pode ser admitida, nunca – o Enem, segundo os seus responsáveis, está acima de qualquer julgamento crítico.
Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.