Opinião – STF: protagonismo e privilégio

A corte suprema, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. Aos olhos da população, transformou-se num espaço político. Escreve Carlos Alberto Di Franco.

23/11/2023 06:21

“É hora de os ministros de STF fazerem uma sincera autocrítica”

Procuradora-geral interina questionou a legalidade da decisão de Toffoli que permitiu a Moraes atuar como assistente de acusação. Foto: STF

Quando o Supremo Tribunal Federal tem excesso de protagonismo na mídia, boa coisa não é. De fato, seus ministros dão entrevistas a respeito de tudo. Falam fora dos autos com uma desinibição que provocaria grande constrangimento em muitos de seus ilustres predecessores. É verdade que vivemos, todos, a síndrome da exposição compulsiva. E os integrantes da corte, seres humanos que são, não escapam ao fascínio e aos riscos de tamanha visibilidade.

A edição do jornal O Estado de S.Paulo de 1.º de novembro, em seu espaço opinativo, testemunhou, mais uma vez, a forte presença do STF nas páginas dos jornais. Um editorial e um artigo trataram de decisões da corte que, a meu ver, geraram perplexidade e insegurança jurídica.

O título do editorial foi sugestivo: “O privilégio do sr. Moraes”. Trata dos desdobramentos do imbróglio que envolveu o ministro Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma. Em recurso interposto no inquérito que investiga suposta agressão contra o ministro e sua família, a Procuradoria-Geral da República (PGR) fez dois pedidos ao ministro Dias Toffoli, relator do caso: o levantamento integral do sigilo das filmagens contendo as supostas hostilidades e a reconsideração da decisão que admitiu a participação das supostas vítimas, desde a fase da investigação, como assistentes da acusação.

O controle seletivo das filmagens passou a ser exercido de modo ilegal e abusivo num país em que a arbitrariedade do poder faz de conta que a lei não vale para todos. Basta pensar na triste comédia das imagens da baderna de 8 de janeiro. O ministro da Justiça já apresentou três ou quatro versões. Só não entregou as imagens solicitadas pelo Congresso Nacional e devidamente autorizadas pelo STF. “Não se pode construir privilégios em investigações criminais e, por tal razão, não se pode admitir a manutenção do sigilo fragmentado da prova no caso em exame”, disse a PGR a respeito do sigilo. Lembrou ainda que a restrição imposta prejudica o trabalho do Ministério Público e afeta a compreensão dos fatos pela opinião pública. Ademais, as supostas vítimas deveriam ser as maiores interessadas em que tudo aparecesse.

Por outro lado, a decisão do ministro Toffoli de admitir o colega Alexandre de Moraes e sua família como assistentes de acusação na investigação da suposta agressão contraria o Código de Processo Penal e a jurisprudência do próprio Supremo. Esse é o entendimento de juízes, procuradores e advogados ouvidos para esclarecer o assunto. Todos entendem que a assistência de acusação só poderia ser admitida em uma fase seguinte do caso, ou seja, no curso da ação penal. Sobre a participação de Alexandre de Moraes e familiares como assistentes de acusação, a PGR afirmou se tratar de um “privilégio pessoal” (forte isso), em razão de inexistir essa figura na fase de investigação. “Não se tem notícia de precedente de admissão de assistência à acusação na fase inquisitorial. Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, diz o recurso do Ministério Público. O crescente poder político do ministro Alexandre de Moraes, a quem respeito como pessoa e constitucionalista, não é bom para o país, para a imagem da corte e para ele próprio.

Mas vamos ao segundo texto que chamou minha atenção: “Advocacia silenciada nos tribunais”. Seu autor, Ruiz Ritter, é advogado criminalista, doutorando e mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS. Ele informa que a Diretoria do Conselho Federal, presidentes de diversas seccionais e membros honorários vitalícios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tiveram audiência com o ministro Alexandre de Moraes para “requerer respeito ao direito de sustentação oral” no Supremo Tribunal Federal, após o tribunal pautar no plenário virtual os julgamentos referentes aos atos de 8 de janeiro deste ano. O autor argumenta, com razão, que “acerta a OAB na cobrança institucional ao STF de ‘respeito’ ao direito dos advogados de se pronunciarem na corte, assim como em qualquer tribunal”. Impedir a realização da sustentação oral presencial, admitindo a modalidade “gravada”, é um modo concreto de silenciar a advocacia e inibir o direito de defesa.

O momento atual do Brasil é de paixões exacerbadas, nervos à flor da pele. É em momentos assim que se exige uma maior prudência e ponderação de todos. Há efeitos da politização que causam danos de difícil reparação para a vida de um país. Um deles é a destruição da segurança jurídica, que no Brasil de hoje é visível a olho nu e, infelizmente, está sendo causada pela conduta de alguns ministros do STF, que é – ou ao menos deveria ser – o principal responsável pela garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico e da defesa das liberdades.

A corte suprema, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. Aos olhos da população, transformou-se num espaço político. Não creio que seja radicalmente assim. Mas é a percepção que existe. E isso não é nada bom. É hora de os ministros de STF fazerem uma sincera autocrítica. O Brasil merece.

 

 

 

 

Por Carlos Alberto Di Franco é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas.

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