O governo, agências reguladoras e a Petrobras precisam assumir a liderança para garantir o abastecimento nacional, ampliando assim a segurança energética no país. Escreve Felipe Kury.
27/11/2023 07:00
“O Brasil reúne muitos elementos que propiciam uma maior resiliência”
Nas últimas semanas, o Oriente Médio tornou-se o foco da atenção internacional em função dos ataques terrorista do Hamas a Israel, provocando um conflito de grandes proporções com potencial impacto em importantes atores no mercado mundial de petróleo. Embora qualquer guerra no Oriente Médio seja uma ameaça potencial à segurança do abastecimento de petróleo, uma guerra que envolva um produtor da dimensão do Irã e/ou países do Golfo Pérsico, poderá ter implicações ainda mais profundas para o mercado global de petróleo. Certamente, nenhuma dessas implicações é positiva.
De fato, o setor pode enfrentar um risco significativo na oferta a depender da escalada dos conflitos. Pelo menos por hora, em função dos recentes cortes na produção para manutenção dos preços de petróleo em patamares desejáveis pela OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados liderados pela Rússia) – na faixa de US$ 80 a US$ 90 – os principais produtores do grupo parecem estar mais bem equipados para resistir ao choque, se comparado com crises anteriores.
Depois de reduzir a produção de petróleo para sustentar os preços, a Arábia Saudita e os seus aliados da OPEP+ dispõe de uma elevada reserva técnica de capacidade de produção de petróleo. De acordo com a EIA (US Energy Information Administration) é a maior capacidade ociosa em mais de uma década, estimada em cerca de 4 MM bpd (milhões de barris por dia), ou seja, aproximadamente 4% da oferta global.
Os países da OPEP+ buscam manter a produção de petróleo abaixo do consumo global. Com isto, esperam obter uma pressão ascendente sobre os preços, com o objetivo de aumentar a média para cerca de US$ 95 por barril em 2024. Importante considerar que a guerra pode alterar significativamente as condições de oferta a depender da amplitude e duração do conflito – tudo indica que deve continuar intenso e, possivelmente, se agravar dependendo do envolvimento de outros países.
No momento, o principal ponto a observar é se o Irã vai se envolver direta ou indiretamente, especialmente em razão de o país deter o controle do chamado Estreito de Ormuz que, diariamente, escoa cerca de 17 MM bpd, o que representa 17% da demanda global (projeção OPEP 2023: 102 MM bpd) e cerca de 90% do petróleo do Oriente Médio que transita no Golfo Pérsico.
Outro acontecimento importante e que pode influenciar a oferta no médio/longo prazo, é que os EUA levantaram a maioria das sanções ao setor energético da Venezuela durante seis meses, abrindo, assim, caminho para exportações adicionais de petróleo bruto pesado que o país produz. No curto prazo, em função de anos de subinvestimento e má gestão do setor no país, devem limitar o crescimento da produção de petróleo bruto a menos de 200 mil barris por dia (mbd) até ao final de 2024, exigindo mais tempo e investimento para crescimento adicional da oferta.
As importações de petróleo bruto dos EUA provenientes da Venezuela pararam pouco depois de janeiro de 2019, quando os Estados Unidos impuseram sanções à empresa petrolífera estatal Petróleos de Venezuela SA (PdVSA). Os EUA aliviaram essas sanções no fim do ano passado, proporcionando isenções à Chevron para que esta pudesse retomar a exportação de petróleo bruto das suas operações de joint venture na Venezuela para as refinarias da Costa do Golfo dos EUA, que foram reiniciadas no início de 2023.
Neste contexto, o mercado global de petróleo deverá permanecer extremamente tensionado, e ainda mais incerto em função dos conflitos no Oriente Médio. Espera-se que a Arábia Saudita cumpra as quotas de produção reduzidas que acordou com os seus parceiros do grupo OPEP+, pelo menos até o final do primeiro trimestre de 2024. Portanto, é pouco provável que OPEP+ aumente a produção de forma acentuada durante o resto do ano. Além disso, o mercado espera atingir um patamar de produção histórico, estimado em 102 milhões de barris/dia em 2023, e a procura global de petróleo deverá aumentar em cerca de mais 1,3 milhões de barris/dia em 2024.
O mundo já vinha enfrentando uma crise energética de grandes proporções, especialmente em função da guerra entre Rússia e Ucrânia, desafios no controle da inflação e elevados preços da energia pós pandemia com repercussão relevante na segurança e transição energética dos países. E, para agravar ainda mais, surge a guerra no Oriente Médio que está limitada a Israel, Faixa de Gaza e sul do Líbano, ainda sem impacto direto na oferta de petróleo. Pelo menos por enquanto, as principais agências de informações do setor esperam que os preços do barril de petróleo fiquem na faixa de US$ 80-100/barril com volatilidade elevada. Porém, se a guerra de Israel contra o Hamas se transformar em um conflito regional e/ou ameaçar o escoamento do petróleo pelo Golfo Pérsico, o mercado deverá enfrentar uma jornada bem mais difícil, com muita volatilidade e forte elevação dos preços.
Em meio a tantas adversidades externas, o Brasil se encontra numa posição favorável para enfrentar os desafios do momento. Primeiro, por estar longe da região de conflito; segundo, por ser um exportador de petróleo em ascensão e com grande potencial de estar entre os cinco maiores produtores até 2030. Somado a isso, o país possui uma enorme diversidade de fontes de energia renováveis e abundância de recursos naturais. Desta forma, o Brasil reúne muitos elementos que propiciam uma maior resiliência em relação aos impactos resultantes das guerras na Europa e no Oriente Médio no médio/longo prazo e, mais importante, pode contribuir para amenizar os efeitos da crise energética no mundo. Mas, especialmente na hipótese de uma escalada nos conflitos, o Brasil, por ser importador líquido de derivados (principalmente diesel, gasolina, nafta, QAV e GLP), pode sofrer os efeitos adversos e indesejáveis, resultado de uma grande elevação dos preços do petróleo.
O momento requer cautela e urge uma compreensão mais ampla dos efeitos da crise, com a necessidade eminente em se estabelecer um plano de contingência nacional, evitando potenciais descontinuidade no suprimento de combustível e mitigando os efeitos das variações nos preços para o setor produtivo e para a sociedade. A grande pergunta é: estamos preparados? O governo, agências reguladoras e a Petrobras precisam assumir a liderança para garantir o abastecimento nacional, ampliando assim a segurança energética no país.
Por Felipe Kury é managing partner na FK Energy Partners e ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP).