Opinião – Vem aí a micareta tributária

Se o carnaval acabou, a micareta está prestes a começar: e diferente da festa de Momo, essa dura o ano todo… Salve-se quem puder! Escreve Eduardo Diamantino.

07/12/2023 11:03

“Haverá uma retração na economia? A volta à informalidade será o caminho? Quem pagará a conta?”

Senadores da oposição na análise da reforma tributária no Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O presidente do Senado, ao aprovar a nova Emenda da Reforma Tributária, contou que “nos anos de 1980, o tributarista Augusto Becker escreveu um livro em que chamava nosso sistema de ’Carnaval Tributário’, uma clara alusão à desordem que caracteriza o seu funcionamento”. Disse ainda que “o Brasil não podia viver mais com atraso”, e que a Reforma Tributária terminaria com a folia do Direito Tributário brasileiro. O que ele não avisou é que com o fim do carnaval começa a micareta.

A reforma tributária sempre foi um chavão político sem grandes consequências práticas e há tempos repetido por políticos de esquerda e de direita que jamais se esforçaram para que ela se efetivasse. O mantra era a “simplificação” e a “redução de carga”. Com a eleição de Lula para seu terceiro mandato, porém, a reforma tributária passou a ser tema central. Previsível: governo sem caixa e Estado com crescimento desproporcional casam bem com um aumento de carga tributária.

Assim, enquanto a PEC-45 Originária permaneceu por meses sem evolução durante o ano de 2019 e sem movimentações relevantes por 3 anos (de 11/02/2020 até 08/03/2023) na Câmara dos Deputados, com o governo Lula, foi aprovada em ambas as casas do Congresso em apenas 9 meses.

A maneira açodada de condução do processo pode ser certificada pelo número de emendas apresentadas e pelo número de emendas aprovadas. Somente no Senado, no período de 3 de agosto a 7 de novembro de 2023, foram protocoladas 802 e aprovadas 255, o equivalente a 31,7% do total. Essa enorme quantidade de emendas reforça o fato de o texto ser muito ruim, repleto de lacunas e de prejudicar diversos setores da economia, como o agropecuário. As redações são confusas, trazem insegurança nas suas possíveis interpretações que, muitas vezes, dependerão de legislação infraconstitucional para sanar eventuais questionamentos.

Dentre outras pérolas, a transição de sistemas será longa, em torno de 10 anos. Além disso, haverá confluência de tributos do atual sistema com o novo por um determinado período, acrescendo-se o IBS, a CBS e o IS aos já existentes ICMS, ISS, PIS e Cofins. Então, na próxima década, vamos conviver com dois sistemas de tributos sobre consumo: onde está a tão aclamada “simplificação”?

Ademais, embora a instituição de um IVA, a princípio, possa parecer benéfica, um IVA Dual da forma pretendida pelo Projeto provavelmente nos fará ter o maior IVA do mundo, com alíquotas que serão somadas entre si (IBS e CBS) e ainda serão definidas, em uma complexa operação aritmética.

Alguns setores que sempre foram a base eleitoral do atual chefe do Executivo (como a indústria automobilística) devem ter redução de carga. Opositores históricos, como o agro, terão aumento de carga. A inadequação da alíquota desse setor é patente e, sem dúvida, vai lhe retirar competitividade.

Os serviços comuns, de outro lado, sofreram um forte acréscimo na carga tributária, saindo de um ISS de 2 a 5% que, acrescido de um PIS/Cofins de 3,65% no regime cumulativo, não chegava a 9% de carga tributária, para um aumento estimado de 19,25% de tributação. Será possível repassar esses custos? Haverá uma retração na economia? A volta à informalidade será o caminho? Quem pagará a conta?

Tudo isso será ainda especificado em lei complementar. É aí que a folia começa: definir o funcionamento dos regimes diferenciados, a composição da cesta básica e o que são insumos agropecuários vai gerar muita discussão. Assim, se o carnaval acabou, a micareta está prestes a começar: e diferente da festa de Momo, essa dura o ano todo… Salve-se quem puder!

 

 

 

 

Por Eduardo Diamantino, tributarista especializado em agronegócio, é sócio do Diamantino Advogados Associados.

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