É essencial uma leitura atenta e cuidadosa da situação, para que os órgãos de persecução criminal e o Poder Judiciário não incorram no uso da prisão. Escreve Leonardo Tajaribe Jr. .
25/03/2024 05:53
“É imprescindível que a prisão preventiva seja determinada apenas quando estritamente necessário”
O ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro inegavelmente marcou o cenário político do país de forma controvertida, com opiniões e manifestações polêmicas, posicionamentos rígidos em sua gestão e críticas calorosas ao governo de oposição, tonificando a polarização ideológica que já existia e já se acentuava nos momentos anteriores à sua eleição para o cargo.
É de se notar, entretanto, que o posicionamento do então presidente da República durante a pandemia de Covid-19 foi o que denotou a sua popularidade, não só nas fileiras políticas do Brasil, mas também internacionalmente, com severas críticas dirigidas pela oposição e apoio quase incondicional por parte de seus eleitores.
Neste cenário de opiniões espinhosas e ferrenhos ataques às perspectivas adotadas pelo chefe do Poder Executivo, destacou-se a negativa de imunizar-se com a vacina comprada pelo governo para combater a doença que se alastrava pelo mundo, concluindo a Controladoria Geral da União (CGU) que o cartão de vacinação utilizado Jair Bolsonaro era falso.
À vista disso, após intensas investigações promovidas pela Polícia Federal, inclusive com a delação premiada de seu ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, Bolsonaro foi indiciado, no último dia 19, por associação criminosa e inserção de dados falsos em sistemas de informação – Art.288 e 313 do Código Penal Brasileiro – por, conforme se alega, ter dado ordens para que seus subordinados providenciassem cartões de vacinação falsos para si e alguns de seus familiares.
Diante do delicado cenário que se estabelece a partir do indiciamento do ex-presidente, algumas dúvidas surgem acerca da real possibilidade de sua prisão, o que seria de grande impacto para a conjuntura política nacional, em especial para as eleições presidenciais que ocorrerão no ano de 2026.
Neste sentido, esclarece-se que a prisão preventiva, regulada pelos artigos 311 e seguintes do Código de Processo Penal, possui requisitos de ordem formal e material, sendo os primeiros atinentes a uma mera verificação dos pressupostos necessários para que se decrete a custódia, tornando-se essencial também a análise de sua necessidade.
Apesar da pena prevista para os crimes dolosos pelos quais Jair Bolsonaro foi indiciado – o que denota a presença dos requisitos formais –, é imprescindível que a prisão preventiva seja determinada apenas quando estritamente necessário, devendo ser realizado um juízo acerca do perigo que o ex-presidente representa para a sociedade, as testemunhas e o curso do processo criminal.
Partindo-se do pressuposto de que se estamos diante de delitos praticados com abuso do poder político, o fato de o agente em questão não ocupar mais qualquer posição de comando e, portanto, não possuir mais qualquer capacidade de utilizar-se diretamente de influências decorrentes do cargo deve ser levado em conta para a análise da necessidade ou não da restrição de sua liberdade.
Claro que estamos diante de um cenário sensível, não só para a política interna, mas também no âmbito externo, diante do fato de que os dois últimos presidentes da República também estiveram envolvidos em tramas que culminaram em prisão ou impeachment do cargo. Por isso, é essencial uma leitura atenta e cuidadosa da situação, para que os órgãos de persecução criminal e o Poder Judiciário não incorram no uso da prisão – importante instrumento consagrado na Constituição Federal – para atender a anseios político-ideológicos, incorrendo numa guerra em que a arma é a lei.
Por Leonardo Tajaribe Jr., advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM), é pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).