Ninguém pode negar-lhe o mérito de ser abraçado por bolcheviques e czaristas ao mesmo tempo. Nunca alguém tão rico foi tão amado. Escreve Guilherme Macalossi.
10/04/2024 09:52
“Alguns imaginavam que esse papel caberia às Forças Armadas”
Elon Musk foi para as redes sociais tirar Alexandre de Moraes para dançar. Questionou o magistrado, acusando-o de censura. Disse que o X, rede social da qual é proprietário, vai divulgar documentos mostrando que as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral violaram a Constituição brasileira. Segundo a visão de quem? O multibilionário não quer apenas cruzar o espaço sideral com seus foguetes, também tem a pretensão de ser o Rui Barbosa das Big Techs. Como se coubesse a ele e seus advogados o papel de revisar decisões judiciais e dar a palavra final sobre o verdadeiro sentido da Constituição.
O pano de fundo das manifestações de Musk é a publicização de uma série de mensagens de funcionários do Twitter entre os anos de 2020 e 2022 comentando, questionando e reclamando de determinações feitas pelo Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, a Polícia Federal e o Ministério Público. O conteúdo inédito foi publicado originalmente pelo jornalista norte-americano Michael Shellenberger, e é importantíssimo, mas por razões distintas das apresentadas por ele.
O teor dos documentos evidencia como o X vinha criando obstáculos para cumprir ordens judiciais, e mostra que a empresa costeou o alambrado da obstrução. O que pode acabar se configurando se Musk reativar contas suspensas, ao arrepio das determinações legais. No despacho em que incluiu o empresário no inquérito das fake news, Alexandre de Moraes deixou claro que os diretores da empresa no Brasil podem arcar com as consequências penais se suas condutas não facilitarem o trabalho da Justiça.
Do exterior, o multibilionário instiga a desordem no país. Imagine se sua conduta se populariza, com qualquer cidadão ou empresário livremente arbitrando quais decisões da Justiça são constitucionais e quais devem ser cumpridas ou não. Por certo, só valerão as decisões que favorecerem a banca.
Big Techs não são empresas comuns. Com proporções globais, desconhecem fronteiras e tem suas respectivas agendas, inclusive com uso do poder tecnológico. É uma visão simplista e até mesmo ingênua imaginar Musk como um idealista. E aqui cabe uma pergunta prosaica: ele lucra mais ou menos com algoritmos distribuindo delinquência sem qualquer freio?
Musk foi imediatamente tornado herói da liberdade de expressão. Segundo Jair Bolsonaro, o empresário virou um “símbolo”. A escalada contra Moraes e o STF ganhou o noticiário global, bem como os corações do PCO e do guru putinista Alexander Dugin. Ninguém pode negar-lhe o mérito de ser abraçado por bolcheviques e czaristas ao mesmo tempo. Nunca alguém tão rico foi tão amado. Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que não existe poder moderador no Brasil. Alguns imaginavam que esse papel caberia às Forças Armadas. Talvez agora imaginem que cabe a Elon Musk.
Por Guilherme Macalossi é jornalista, apresentador, redator e radialista. Formado em Direito, é apresentador do programa “Bastidores do Poder” e comentarista do “Jornal Gente”, na Rádio Bandeirantes, e colunista do jornal “Band Cidade”, na TV Bandeirantes. Na Gazeta do Povo já foi produtor do programa Imprensa Livre e de mini- documentários especiais.