Vítimas somos nós que não usamos drogas, mas sofremos as consequências do crime sem controle e de uma corrupção moral e intelectual. Escreve Roberto Motta.
01/07/2024 16:03
“O sujeito aceita correr esse risco em troca de prazer momentâneo”
Quando discutimos a tal “descriminalização do porte de drogas para uso próprio” é preciso cuidado com as cortinas de fumaça. Nesse caso, a enjoativa fumaça da maconha.
O ponto essencial é que a “descriminalização” – ou “liberação” – de drogas é assunto para o Congresso Nacional. É o Congresso que faz as leis. Esse não é um assunto para ser decidido por um tribunal. Tribunais não fazem leis, eles apenas aplicam as leis existentes. Essa é a questão essencial.
A maconha é apenas o pretexto da vez. O tema poderia ser as “saidinhas”, a progressão de regime ou o tal Marco Temporal. Não faz diferença alguma. A questão permanece a mesma: em uma democracia, quem faz as leis são os representantes eleitos pelo povo.
Toda a exuberante linguagem jurídica usada nesse debate esconde outras duas questões importantes. A primeira questão é: portar maconha para “uso próprio” é crime? A segunda questão é: como saber se o “portador da maconha” é usuário ou traficante?
A lei atual – aquela aprovada pelo Congresso – diz que o “porte” de drogas é crime. É o que recomenda a lógica. Basta refletir: se a produção de drogas é crime e se a comercialização de drogas é crime, é evidente que o “porte” de drogas só pode ser crime também.
Atualmente as sanções previstas para o tal porte de drogas para consumo próprio são simbólicas. Uma delas é a “admoestação verbal” – ou seja, levar uma bronca do juiz. Ainda assim, são sanções penais. Como o porte de drogas é definido como crime, fica autorizada a atuação da polícia.
A polícia não atua em infrações administrativas. Portanto, é fácil imaginar a consequência de transformar porte de drogas em infração administrativa: elimina-se qualquer possibilidade de intervenção policial em uma atividade extremamente nefasta à sociedade.
Até agora essa intervenção policial era amparada pela lei. A partir da decisão da descriminalização, não será mais. É inevitável uma retração da atividade policial – exatamente como aconteceu em São Francisco, nos EUA, depois que foi aprovada uma lei estadual que transformou uso de drogas em contravenção (pelo menos lá essa medida foi tomada através de lei). São Francisco, hoje, é recordista em mortes por overdose nos Estados Unidos.
A partir da descriminalização do porte a polícia brasileira vai pensar dez vezes antes de abordar um suspeito de tráfico. Na dúvida, será melhor não fazer nada. A quem isso beneficia?
Um dos argumentos mais equivocados pela “descriminalização” do porte de drogas é o que afirma que “o usuário de drogas é vítima, e não criminoso”. Vítima de que? Só se for de suas próprias escolhas.
Ninguém é obrigado a usar drogas. No início, o uso é sempre recreativo – o objetivo é “tirar onda”, fazer o que a turma descolada faz, experimentar uma sensação diferente.
Ninguém começa a usar drogas já sendo dependente. E mais: no mundo atual, todo mundo que experimenta droga pela primeira vez sabe que a droga causa dependência. O sujeito aceita correr esse risco em troca de prazer momentâneo. Essa decisão é dele. Como é possível dizer que ele é a vítima?
Vítimas somos nós que não usamos drogas, mas sofremos as consequências do crime sem controle e de uma corrupção moral e intelectual que não deixa ilesa nenhuma instituição do país.
Por Roberto Motta é pesquisador da área de segurança pública, ex-consultor de tecnologia do Banco Mundial e ex-Secretário de Estado do Conselho de Segurança do Rio de Janeiro. É autor de 4 livros: “Ou Ficar A Pátria Livre”, “Jogando Para Ganhar: Teoria E Prática da Guerra Política”, “Os Inocentes do Leblon” e “A Construção da Maldade: Como Ocorreu a Destruição da Segurança Pública Brasileira”. É graduado em engenharia pela PUC-RJ, tem mestrado em gestão pela Fundação Getúlio Vargas. Foi um dos fundadores do Partido Novo e é comentarista na Jovem Pan News.