Trata-se de uma manipulação que repete a farsa eleitoral da primeira “vitória” de Maduro, em 2013. A mesma estratégia, a mesma maracutaia, a mesma forma de operar. Escreve Diogo Schelp.
29/07/2024 11:04
“O CNE não divulgou para a oposição todas as atas”
Não há nenhuma surpresa no desfecho dessas falsas eleições que foram realizadas na Venezuela. A oposição caiu nesse engodo da farsa eleitoral mais uma vez, aceitando participar dele, por dois motivos: por desespero, por não ter outra opção, e porque, na pior das hipóteses, como de fato aconteceu, iria poder escancarar mais uma vez o caráter ditatorial do regime de Nicolás Maduro.
A farsa eleitoral na Venezuela começou muito antes da votação. Um dos pontos críticos foi quando María Corina Machado, a candidata escolhida pela oposição em um processo democrático, foi impedida de concorrer pela Justiça, que é inteiramente controlada por Maduro, com base em acusações estapafúrdias. Isso aconteceu no final do ano passado. De lá para cá, outros candidatos oposicionistas também foram afastados e muitos integrantes da oposição foram presos. Houve intimidação, houve chantagem e houve variados métodos para atrapalhar uma campanha justa por parte da oposição.
Um em cada quatro eleitores venezuelanos já haviam votado com os pés contra Maduro. São os milhões de venezuelanos que partiram para o exílio por motivos políticos ou por causa da fome. A grande maioria deles foi impedida de votar no exterior. Isso também é fraude.
Então veio o dia da votação. Como já aconteceu em outros desses momentos de farsa eleitoral montados pelo chavismo, o regime deixa a oposição se refestelar na esperança de que é possível virar o jogo pela via da normalidade, convocando seus apoiadores às urnas. Mas, por trás da aparente tranquilidade, começam os problemas.
Uma sessão eleitoral foi fechada com apenas uma hora de funcionamento, e os eleitores ficaram do lado de fora na filha gritando, dizendo que querem votar. Aqui e ali, houve episódios de intimidação contra eleitores, motoqueiros dando tiros para o alto em frente a centros de votação e fiscais da oposição sendo impedidos de acessar os locais de votação.
Mais para o fim do dia, antes mesmo do fechamento das urnas, lideranças chavistas começaram a cantar vitória antes da hora.
Então veio a manipulação do resultado propriamente dita. Esta ocorreu dentro do CNE, que é o órgão eleitoral venezuelano, controlado por Maduro.
Os observadores da oposição foram impedidos de entrar na sala do CNE onde é feita a totalização de votos e também não receberam as atas das urnas em proporção suficiente para conferir com a somatória dos votos.
Esse ponto é muito importante, porque mostra como o sistema de divulgação de boletins de urna serve para auditar uma eleição. Além disso, na Venezuela, o voto é eletrônico mas ele também é impresso, o que, tese, deveria permitir a auferir a contagem final.
Além disso, deveria ser possível comparar esses boletins de urna com os números que seriam divulgados pelo CNE e que servem para totalizar os votos oficialmente. É dessa forma que se evita que haja fraude da hora de somar os votos de todas as urnas.
E foi nesse ponto que deu chabu, como já era esperado.
O CNE não divulgou para a oposição todas as atas. Com base nos boletins de urna que haviam sido registrados pelos fiscais da oposição, a derrota de Maduro era inequívoca. Quanto mais o regime demora para divulgar as atas, mais tempo os técnicos do governo têm para maquiar os resultados. É por isso que a divulgação tem que ser imediata, em tempo real.
O CNE, um pouco depois do encerramento da votação, interrompeu a transmissão das atas das urnas para o local de totalização de votos. Esse processo foi interrompido por seis horas. Quando retornou, e o CNE começou a divulgar as parciais, já começou com uma porcentagem considerada irreversível, com mais de 80% das urnas supostamente apuradas, indicando a tal vitória de Maduro.
Enfim, trata-se de uma manipulação que repete a farsa eleitoral da primeira “vitória” de Maduro, em 2013. A mesma estratégia, a mesma maracutaia, a mesma forma de operar.
Tudo muito previsível.
Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).