Vivemos o início das eleições municipais de 2024 e esta história faz muito sentido para a Baixada Cuiabana onde a falta de água potável é grave. Escreve José Antonio Lemos dos Santos.
02/09/2024 06:25
“O suprimento de água potável está quase sempre aquém da demanda”
Água é vida, e ainda muito mais quando tratada e em abundância para todos. Nas cidades brasileiras, apesar dos avanços em muitas delas, o suprimento de água potável está quase sempre aquém da demanda por motivos diversos, dentre estes a falta de controle na expansão de suas zonas urbanas, que quase sempre vão na direção de áreas ainda sem infraestrutura, e quando em cotas mais elevadas ficam fora do alcance da estação de tratamento d’água (ETA) mais próxima, tendo então que construir outra em nível mais elevado. E enquanto não se constrói outra o jeito é adotar as soluções alternativas do caminhão-pipa, do poço artesiano, das latas d’água na cabeça, dos córregos fétidos etc.
A Baixada Cuiabana poderia estar melhor. Explico, nos idos de 78 trabalhei na Comissão da Divisão de Mato Grosso no extinto Minter em Brasília, e participei das discussões nas quais foi decidida a energização da então futura barragem de Manso, de início prevista apenas como proteção de Cuiabá contra enchentes como a de 1974.
Na época o principal problema estrutural de Mato Grosso era a energia que vinha precariamente de Cachoeira Dourada, com duas linhas de transmissão de cerca de 700 km, inseguras no fornecimento e com grandes perdas de carga. As alternativas eram o projeto da Usina do Funil, em Rosário Oeste, e a construção de uma terceira linha de transmissão até Cachoeira Dourada. Pior, diziam que o presidente João Figueiredo não desembolsaria nada além dos valores determinados pelo presidente Geisel, seu antecessor, autor da divisão do estado.
A obra da barragem de Manso que começava, e que seria só de proteção urbana, foi então suspensa para inclusão da geração de energia no projeto. E a alteração foi além da geração de energia, acrescentando ainda a previsão de irrigação de 40 mil ha de terras, e outros projetos como psicultura, aquicultura, turismo e, o que interessa diretamente a este artigo, a possibilidade de abastecimento de água por gravidade às cidades da Baixada Cuiabana. Por suas várias finalidades o projeto ficou conhecido por APM Manso, (aproveitamento múltiplo de Manso), como até pouco tempo constava nas placas indicativas da localização do empreendimento. Na mesma ocasião era projetada na Bahia a Barragem de Pedra do Cavalo tendo como objetivo principal, veja bem, o abastecimento de água à Região Metropolitana de Salvador, a 120 km de distância, e mais, a proteção das cidades à jusante da barragem e a irrigação de áreas rurais. Só depois acrescentaram a geração de energia. Hoje, segundo o “dr.Google”, Pedra do Cavalo abastece com água 60% da população de Salvador, que tem cerca de 2,5 milhões de habitantes.
Vivemos o início das eleições municipais de 2024 e esta história faz muito sentido para a Baixada Cuiabana onde a falta de água potável é grave, demandando sempre novas estações de tratamento e, ainda, às voltas com a degradação das fontes naturais de captação. Naquele tempo a solução para Salvador foi a construção de uma barragem especificamente para o abastecimento de água, que depois agregou novas funções. Aqui, temos uma parte da população sofrendo por falta d’água e uma barragem pronta cumprindo sua função principal de proteção urbana, gerando energia e oportunidades para o turismo, lazer e empreendimentos imobiliários, porém desprezada como fonte de água. Manso ainda seria viável para o abastecimento de Cuiabá por gravidade?
O saneamento será abordado nestas eleições, como nas outras, e deveria sê-lo em amplitude e profundidade por todos os candidatos a prefeito e vereador dos municípios da Baixada como um tema regional, não só de seu município, envolvendo o governo do estado e a Região Metropolitana. E que os eleitos levem para seus mandatos um compromisso suprapartidário e supramunicipal pela solução definitiva desse problema, não só soluções pontuais e momentâneas, mas estruturantes e universais, com ou sem as águas de Manso. No século XXI, a sede não pode mais ser motivo para dor, ainda mais com uma imensa caixa d’água caríssima e pronta nas proximidades.
Por José Antônio Lemos dos Santos é arquiteto e urbanista, é professor aposentado